sexta-feira, 4 de abril de 2008

Jornalista revela que recebeu ameaça de morte


No dia 23 de junho de 1996 Paulo César Farias e sua namorada, Suzana Marcolino, foram encontrados mortos na cama da casa de praia dele, em Maceió, cada um com um tiro certeiro no peito. O laudo do perito Badan Palhares atestou que Suzana havia matado PC e depois atirado em si própria. O inquérito policial prestigiou o perito e avalizou o que era folclore.


PC Farias fora tesoureiro da campanha vitoriosa de Fernando Collor na eleição presidencial de 1989. Era acusado de ser o eixo do chamado "Esquema PC", uma rede de corrupção que começava no seio do governo federal e terminava ainda não se sabe bem como, nem onde. A lógica utilizada pelos que contestam as hipóteses de crime passional ou crime comum não é complexa: PC era um arquivo vivo, e talvez por isto tenha sido morto.


O jornalista Lucas Figueiredo foi atrás deste e de outros fios soltos, desde que chegou à "República das Alagoas" para cobrir o assassinato de PC até a conclusão do seu livro, Morcegos Negros, lançado no ano 2000 e durante 14 semanas seguidas listado pela revista Veja entre os mais vendidos no país.


No livro, Lucas expõe as ligações do "Esquema PC" com o crime organizado internacional, e conta como descobriu numa gaveta do Ministério Público de Alagoas um punhado de documentos assinados por peritos e legistas independentes nos quais se afirma que PC e Suzana foram mortos por uma terceira pessoa.


Nesta entrevista ao Opinião e Notícia, o autor de Morcegos Negros diz que o silêncio eterno de PC interessava a muita gente, tanto no Brasil quanto no exterior. Lucas conta que foi ameaçado de morte, que foi alvo de um processo judicial "kafkiano" em Maceió, e relata como escapou de uma emboscada armada para ele em Houston, no Texas.


Diante de tudo o que apurou, você diria que o assassinato de Paulo César Farias foi, afinal, um crime passional, um crime comum, ou um crime político?
Hoje está cientificamente provado que PC e Suzana Marcolino foram mortos por uma terceira pessoa. Esse é, inclusive, o entendimento oficial da Polícia Civil, do Ministério Público e da Justiça de Alagoas. Em breve, seguranças de PC serão julgados pelo Tribunal do Júri. Pela falta de provas, porém, todos devem ser absolvidos. Com relação à motivação do duplo assassinato, acho pouco provável que não envolva dinheiro e segredos do mundo da corrupção.



Você diz que a investigação da Polícia Civil de Alagoas foi marcada por falhas. Onde a polícia falhou ao investigar o crime? Ou onde ela falhou de forma mais flagrante?
Logo após o crime, a Polícia Civil de Alagoas abraçou cegamente a tese do crime passional, ou seja, que Suzana teria matado PC e depois se suicidado. Com isso, a polícia deixou de fazer coisas básicas, como colher material das mãos dos seguranças de PC para verificar se algum deles tinha atirado, ou preservar o local do crime. Quando a tese do crime passional caiu por terra, as investigações seguintes foram prejudicadas.



Como o chamado "Esquema PC" esteve ligado ao crime organizado internacional? Poderia haver gente "internacional" interessada na morte dele?
Quando Collor ainda estava no poder, um dos aviões de PC, o Morcego Negro, transportou um criminoso italiano dos Estados Unidos para o Brasil, passando por Cabo Verde, na África. Usou para tanto a base aérea de Brasília, reservada a aviões oficiais e, portanto, livre das fiscalizações de um aeroporto tradicional. Esse fato foi registrado num documento da Embaixada da Itália e está reproduzido no meu livro. PC também recebeu e enviou dinheiro para mafiosos italianos envolvidos com tráfico de cocaína, com o Cartel de Cáli, da Colômbia. Isto também foi provado pelas autoridades italianas. PC sabia muito. E seu silêncio eterno certamente interessava a muita gente no Brasil e no exterior.



Recebeu ameaças durante as investigações e depois da publicação do livro?
Recebi uma ameaça de morte em Alagoas. O mais complicado, porém, foi um processo judicial kafkiano do qual fui vítima em Alagoas. No processo, movido por um juiz local, documentos da minha defesa sumiram do Tribunal de Justiça de Alagoas, minhas testemunhas não foram ouvidas e não fui devidamente notificado da minha condenação, fazendo com que eu perdesse o prazo para recorrer. Por ironia do destino, eu e PC acabamos sendo os dois únicos condenados daquela história.



Como foi o episódio no qual você diz ter sido atraído para uma emboscada em Houston?
Eu estava seguindo uma pista do dinheiro do PC nos Estados Unidos. Uma fonte anônima me ligou, dizendo que tinha informações. Nos muitos telefonemas que trocamos, deu para ver que a fonte conhecia muito bem o caso e sabia coisas que ainda não tinham vindo à tona. Marcamos um encontro em Houston, no Texas. Na época, minha viagem foi monitorada pelo jornal onde trabalhava, a Folha de S. Paulo, e pela Polícia Federal. Mas chegando em Houston, por uma grande sorte, descobri que se tratava de uma armadilha. Consegui fugir antes que algo acontecesse.



Você acha que ainda há o que ser investigado sobre a morte de PC? Por onde uma investigação séria poderia começar?
Ainda há muito o que investigar. Como diria a fonte do caso Watergate, "follow the money" [siga o dinheiro]. Quem descobrir onde foi parar o dinheiro desviado por PC Farias durante o governo Collor tem grandes chances de desvendar o mistério de sua morte.
Fonte: Opinião e Notícia