sábado, 10 de novembro de 2007

"Nós somos o Brasil"

Há 15 anos na estrada, cantando e vivendo o Hip Hop no Distrito Federal e nos rincões do Brasil, Genival Oliveira Gonçalves, vulgo GOG, um dos precursores do estilo na capital, acabou por se tornar um dos mais influentes rapers de Brasília e do País.


Com seis discos gravados, GOG se preparava no final de maio deste ano para gravar mais um, GOG ao Vivo, com participações de Lenine, Maria Rita, Paulo Diniz, Angel Duarte, Gerson King Combo, Ellen Oléria.





Foto: Ueslei Marcelino


O disco gravado no Teatro Nacional em Brasília será lançado em dezembro. Já o DVD, produzido pelo cineasta brasiliense, Marcius Barbieri, deve ficar pronto no ano que vem.


Atualmente o cantor dedica parte de sua agenda a ministrar palestras em vários estados brasileiros para os jovens das periferias. Em suas exposições GOG fala sobre hip hop e da relação conflituosa entre violência e drogas.


Otimista em uns aspectos e pessimista em outros, GOG ainda acha que o País tem jeito. Quando perguntado se tinha esperança no Brasil afirmou. “Nós somos o Brasil”.



A Hora e Vez: Recentemente você gravou um DVD em Brasília. Como foi a parceria com Lenine e Maria Rita, gostou da experiência?

GOG: Foi uma experiência ímpar, histórica. Tenho em mente que já é hora de expandir fronteiras, claro que com originalidade. A relação profissional e pessoal com ambos sempre primou pelo respeito mútuo e a partir do momento que isso acontece, naturalmente, só vejo pontos positivos.


A Hora e Vez: Misturar Rap com outros ritmos tira a autenticidade do movimento Hip Hop? Qual a sua opinião?

GOG: Não. O hip hop é muito mais que ritmo. É protesto, texto, verborragia, dia a dia, amor a causa. Com esses fatores estando presentes podemos “viajar”. O problema é que tem gente preconceituosa, e limitada. Os primeiros não dão oportunidade para que esses encontros aconteçam, e outros não têm a capacidade musical e texto para viver esses momentos na sua plenitude. Vou à casa de todos, mas sempre durmo na minha.


A Hora e Vez: Em 15 anos de carreira, qual a diferença do Gog de hoje com o de 1992?

GOG: A maturidade chega. Mas não uma maturidade cronológica, mas sim a vivência. Não entendo como o presidente diz que “a medida que o tempo passa ficamos mais tendentes a ser de direita”. Comigo acontece exatamente o contrário. Quanto mais viajo, quanto mais tenho noção do “plano” que bolaram para o nosso povo, me sinto mais ativo e provocado.


A Hora e Vez: Quais são as suas principais influências musicais e em quem você se espelha como referência?
GOG: Música nacional dos anos 70, os textos de Milton Santos. Atualmente estou conhecendo melhor alguns escritores como Mário Faustino, Carlos Pena filho. Mas o que me deixa mais feliz é o momento magistral que vive a literatura periférica no Brasil com destaques para o Sérgio Vaz, Ferréz, Alessandro Buzo, Nelson Maca, Sacolinha, entre outros parceiros.


A Hora e Vez: O Hip Hop saiu da periferia e cada vez mais vem assumindo lugar de destaque nos grandes centros urbanos. Mas você acha que ainda existe preconceito contra esse estilo de vida por parte da elite e segmentos da classe média?

GOG: Sempre existirá, porque o hip hop vem do gueto. E muita gente tem medo do gueto, ainda mais quando ele personifica sua ação, não passa procuração. É exatamente essa procuração que a Indústria Fonográfica procura. Ela quer que sejam referendados nomes com discurso pasteurizado, não impactante, a eles interessa apenas o ritmo e o canto falado, jamais o texto verborrágico.


A Hora e Vez: Mesmo com o crescimento das bandas de Rap e a expansão do Hip Hop, a mídia (rádio, tv e imprensa) tem dado a devida importância a essa evolução? O que você acha?

GOG: Não dá pra ficar apenas culpando esses setores. Vejo muito erro cometido dentro do Movimento Hip Hop. Falta profissionalismo, dedicação, estudo, informação, e até humildade para sentarmos e discutir entre nós, que Hip Hop queremos. É nesse momento que damos espaço para os oportunistas de plantão. Enfim, também temos vidraças.


A Hora e Vez: Como anda o Hip Hop em Brasília? Você faz ou pretende fazer parte de alguma liderança nesse sentido?

GOG: O Hip Hop no DF e Entorno sempre teve uma característica de crescimento individual, ou no máximo alguns grupos, próximos, se reunindo. Acho que nós caminhamos para algo mais focado no coletivo, para enfim, podermos colher juntos os frutos de anos de caminhada, não financeiras, mas de melhoria e avanço social para nossas comunidades.


A Hora e Vez: O Gog de fato se tornou uma referência no Rap do DF e isso o torna bastante conhecido no cenário nacional e mundial. Seus CDs são muito pirateados? Como você vê a questão da pirataria?

GOG: Não são. Meu público foi educado para comprar, adquirir o original e assim financiar uma auto-gestão que proporciona o aparecimento de talentos como o Rapadura e o Lindomar 3L. A pirataria é uma discussão complexa. Você prepara um trabalho, monta uma estratégia, investe e chega alguém, compra uma cópia e reproduz indefinidamente sem nenhum critério de qualidade e respeito ao que foi desenvolvido. Isso é grave. Agora, isso é uma visão de quem trabalha de forma independente. Quando se falam das “Majors”, grandes gravadoras que sempre lucraram horrores e com um preço exorbitante, não deixam que os “sons” cheguem até as pessoas, vejo como natural que se criem meios para isso. Sempre ouço falar em combater a pirataria, mas nunca em abaixar o preço do CD, DVD ou qualquer outra coisa que esteja sendo pirateada. Outro ponto, não tenho nenhuma restrição à divulgação na Internet das minhas músicas, pelo contrário, dou um cunho de domínio público a todo o meu trabalho, pois tudo que construo é baseado no que vejo, que não é de minha propriedade.


A Hora e Vez: Há poucas semanas o entorno do DF virou notícia nacional após um jornalista ser baleado na Cidade Ocidental. Como você entende a questão da violência no DF e seu entorno?

GOG: A violência é fruto do trabalho que é feito diariamente na mente das pessoas, pelos meios de comunicação, que hoje denunciam os chamados “violentos”. Mas o que é ser não violento? É aceitar pacificamente ter acesso a um prato de comida, quando Deus permite, mesmo observando que outros esbanjam, jogando o que nos alimentaria nas suas ricas lixeiras? Vivemos uma luta de classes, e o grande ponto é que quando alguém salta de uma classe para a outra, perde a referência de quem era antigamente. O pior torturador é o que já foi vítima de tortura, porque ele sabe onde dói. Não me impressiono com os acontecimentos, pois a imprensa brasileira quer ter privilégios, denuncia sem provas, entrevista e distorce. E toda causa tem efeito e reação.


A Hora e Vez: Qual a sua opinião sobre o filme Tropa de Elite?

GOG: O que mais me chamou atenção é que a classe média aplaude de pé no cinema. Estão justificando a ação violenta e a opressão dos policiais. O que o filme aborda, toda a sociedade sabe, mas faz vista grossa. Sonho que a maior bilheteria dos cinemas brasileiros seja algo que valorize a vida e não que simplesmente aponte os distúrbios existentes.


A Hora e Vez: Você concorda com as cotas para negros na universidade? Acharia correto as mesmas cotas para concursos públicos?

GOG: Queria a princípio minha indenização, em dinheiro, por 350 anos de escravidão, mentiras, e outros artigos. Enquanto isso não acontece que venham as cotas. Tenho também uma proposta interessante: cotas para alunos de escolas particulares no ingresso na universidade pública. Entendo que o aluno que sempre estudou na escola pública deveria ter ascensão automática ao ensino universitário público, por uma questão de assiduidade.


A Hora e Vez: Em qual movimento social você leva mais fé?

GOG: Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A organização e historicidade deles me saltam aos olhos.

A Hora e Vez: Percebe-se que suas músicas são muito politizadas, você tem alguma opção partidária e como você vê a política em Brasília?

GOG: Já tive. Hoje penso em caminhar pelo certo, dar raízes aos meus pensamentos, lançando grupos, livros, textos, apresentando talentos e fortalecendo a auto-gestão dentro do Hip Hop, pra mim, o caminho que nos trará mais conquistas. Olha, não votei no Arruda, não acho que ele deveria ser eleito, já que seu passado o condena. Mas ele teve uma ação objetiva e eficaz em alguns pontos. O Governo anterior deixou o Distrito Federal uma farra, e os beneficiários disso não querem perder sua herança e jogam pesado no seu descrédito. Por outro lado, ações como as do Secretário de Transportes, Alberto Fraga, tiveram repercussão muito negativa nas periferias. O número de desempregados aumentou assustadoramente, pais de família não conseguem honrar seus compromissos e tudo isso, ao meu ver, para beneficiar as grandes empresas de transportes coletivos do DF. Não vejo o futuro político da minha cidade com otimismo, pois quem plantou a esperança nos corações rebeldes, nos decepcionou muito quando partiu para a ação efetiva, ou seja, foi governo.


A Hora e Vez: Quanto ao governo Lula, qual a sua opinião sobre as suas políticas?

GOG: Não gosto da visão reformista e das alianças praticadas pelo Presidente. Por outro lado, os avanços sociais são inquestionáveis. O Hip Hop, representado por alguns integrantes foi recebido pelo Presidente Lula, e isso jamais havia acontecido. É um avanço social, pois não temos herança, somos provenientes de classes humildes, abastadas, que jamais foram recebidas pelos governos anteriores.


A Hora e Vez: O GOG tem esperança no País? O Brasil tem jeito?

GOG: Sim. Nós somos o Brasil!


Permitida reprodução desde que citada a fonte Mídia Alternativa: A Hora e Vez





Música do GOG Matemática na prática

Ouça também a música A Ponte, que conta com a participação especial do cantor Lenine. A música fala da Ponte JK, construída em Brasília.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

“Somos todos iguais pero no mucho”

De acordo com consultor da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transgêneros (ABGLT), Caio Varela, a sociedade brasileira tem muito que evoluir em termos de igualdade de direitos. A frase citada por ele "somos iguais pero no mucho" reflete um pouco daquilo que é a cultura brasileira. Na Constituição, conforme o artigo , somos todos iguais. Mas na prática a vida para muitos brasileiros ainda está muito aquém do que diz de fato a lei.

A citação de Varela soa como um desabafo e ao mesmo tempo um suplício. Isso porque, segundo dados da ABGLT, no Brasil uma pessoa é assassinada a cada dois dias pelo fato de ser homossexual.

Com o propósito de tentar conter essa onda de violência, tramita na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado o Projeto de Lei da Câmara (PLC 122/06), que visa tornar crime o preconceito e a discriminação contra os homossexuais. A matéria já passou pela Câmara dos Deputados e levou cinco anos até ser aprovada.

Varela falou com exclusividade ao blog Mídia Alternativa: A Hora e Vez sobre o projeto, discriminação, assassinatos e de suas perspectivas quanto a aprovação da matéria.


A Hora e Vez: Como você entrou para a ABGLT?
Caio Varela: A história da minha família sempre foi de esquerda. Sempre lutamos pela garantia dos direitos de todos e todas. Na escola secundária e na faculdade participava do Grêmio Estudantil. Percebi que por ser homossexual teria que lutar muito para usufruir dos meus direitos. Percebi na prática que a violência contra os homossexuais são sempre crimes de ódio. Você deve saber que os travestis carregam o apelidado de boneca. Em função disso, um travesti foi assassinado e teve cabeça, braços e pernas decepadas. Depois costuraram os membros de volta ao corpo e escreveram no peito “essa é a verdadeira boneca”. Isso me chocou muito.

A Hora e Vez: Você já sofreu discriminação?
Varela: Violência física nunca sofri. Mas verbal, que muitas vezes é pior, sofri várias vezes. Algumas vezes não fazem na minha frente, não falam na minha cara. Ficam com chacota, estigmatizam, criam estereótipos, dizem que gay é isso e aquilo. Fazem uma espécie de diferenciação social. Mas a pessoa que é gay, ou lésbica, ou transexual é antes de tudo um ser humano que tem sentimentos e direitos como qualquer outra pessoa. Não queremos privilégios, queremos a garantia dos nossos direitos como cidadãos.

A Hora e Vez: Quais as suas expectativas para a aprovação do PLC 122?
Varela: O projeto está para ser votado na Comissão de Direitos Humanos (CDH). A senadora Fátima Cleide, que é relatora o projeto, apresentou parecer pela aprovação da matéria. Acho que na CDH conseguiremos aprovar. Depois disso o projeto será encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e talvez aí a coisa seja mais complicada.

A Hora e Vez: E depois de passar pela CCJ?
Varela: Se não sofrer nenhuma modificação, o projeto será enviado ao plenário do Senado para votação. Se aprovado vai para o presidente Lula sancionar. Dependendo dos acordos, o projeto pode sofrer alguns vetos.

A Hora e Vez: Na sua opinião, quais os benefícios que o PLC 122 trará na prática?
Varela: O projeto é um direito de resposta para tentar coibir os atos discriminatórios. Ele também é uma contribuição para tentarmos mudar a cultura. O PLC contribui para amenizarmos o preconceito contra os homossexuais.

A Hora e Vez: Você acha que a oposição de religiosos ao projeto é justa?
Varela: Enquanto vivemos num regime democrático sim. Mas algumas críticas que se fazem servem apenas para fomentar ainda mais a violência, o preconceito e a discriminação. Esse tipo de oposição não tenho como achar justa.

A Hora e Vez: No geral, o brasileiro é preconceituoso?
Varela: Sim, é. E não apenas com os homossexuais, mas com as mulheres, os negros e todos aqueles historicamente discriminados. O Brasil é um dos países mais homofóbicos do mundo. Apesar de não ter um sistema de castas como na Índia é um pouco parecido. Somos todos iguais pero no mucho. O sistema de cotas para negros nas universidades federais revelou o preconceito de muitos brasileiros quanto ao racismo. Antes era velado, silencioso. Agora muitas pessoas se manifestam. É como se dissessem “aceitamos vocês, mas não venham com esse papo de direitos”.

A Hora e Vez: O projeto acabará com a discriminação?
Varela: Não, mas contribui para a diminuição. Infelizmente nunca poderemos dizer que a discriminação vai acabar. Vê-se pelas agressões as mulheres, o preconceitos contra os negros e a crescente disseminação de grupos neonazistas. Mas precisamos lutar com dignidade pela garantia dos nossos direitos. Esse é o nosso grande desafio.

Permitida reprodução desde que citada a fonteMídia Alternativa: A Hora e Vez