segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Na periferia é onde se tem mais critério e bom gosto, diz líder do Racionais ao Roda Viva

O Racionais é um grupo. Estamos disputando uma preferência na periferia. O rap também é lutar pela sobrevivência. Se eu não cantar meu filho não come


Mano Brown que sempre evita a imprensa resolveu falar. Durante quase duas horas de entrevista concedida ao vivo no programa da tv Cultura, Roda Viva, nesta segunda (24/09), o líder do Racionais MC’s buscava deixar claro aos jornalistas e críticos de música que ele não é um líder, nem um herói. Para Brown, as pessoas devem ser livres para serem o que elas são de verdade. “Mano Brown é só um rótulo, sou muito mais do que isso”, disse Pedro Paulo Soares (o Brown) no final da entrevista.


Influenciado por Jorge Ben, Tim Maia, Gilberto Gil e Cassiano, Mano Brown disse que cantar rap para ele tem a ver com honestidade. “Cantar é saber falar de uma forma espontânea sobre aquilo que se vive no cotidiano da periferia. O rap não pode ser mentiroso”, afirmou Brown ao alegar que o hip hop não é ficção, tem que ser verdade.


O primeiro questionamento levantado a Mano Brown foi se a periferia em São Paulo melhorou ou piorou. A resposta foi categórica: “Melhorou muito pouco. Mudar mudou, mas bem menos do que deveria”, frisou.


No decorrer da entrevista, Brown falou sobre o que havia mudado em sua vida quando ele ainda era apenas o Pedro Paulo Soares. “O Pedro não tinha casa, não tinha praticamente nada. Hoje tenho uma moradia e um carro. É pouco, mas é o suficiente. Pra mim ter essas coisas é muito mais significante do que gastar o meu dinheiro em boates e botecos”, disse.


O grupo Racionais começou em 1988 e em quase 20 anos de carreira a avaliação de Brown quanto ao hip hop é positiva. “O número de grupos de rap cresceu bastante, do norte ao sul do País. Os caras estão fazendo acontecer e os números são nossos. Precisamos saber tirar proveito desse momento”.


Ao falar de violência, Brown disse que os índices são menores na favela do que no asfalto. “E as agressões da polícia”, alguém questionou. Brown respondeu que esse é um problema real e constante, mas que existe há muito tempo. Para o rapper, a função da polícia na periferia é só reprimir e acuar a população.


A ser perguntado se gostava do Lula, Brown foi taxativo. “Gosto do Lula e apoio ele. Espero que as coisas dêem certo. Não conto com nenhum benefício do governo, mas se vier ta firmeza”, acrescentou.


Brown também falou de religião. O escritor e jornalista Paulo Lins perguntou ao cantor o que ele achava do levante evangélico na periferia. Brown disse ser evangélico, mas que nasceu dentro do candomblé. “E a opressão dos evangélicos?”, perguntou um dos entrevistadores. “Acho isso errado! Jesus não pregava a opressão”, respondeu Brown. “E onde os evangélicos acertaram?”, indagaram novamente. “Quando dizem que Deus está acima de todas as coisas”, frisou.


Segundo Brown, poucas coisas o tiram do sério. Uma delas é o time de futebol Santos, pelo qual é torcedor ardoroso.


Roda Viva - Qual foi a última vez que você chorou?
Brown - Quando o Sabotagem morreu. Chorei por dentro e por fora.


Roda Viva - O que é amor pra você?
Brown - Lealdade, compromisso, responsabilidade e fazer aquilo que gosto. Isso é amor pra mim. Gosto do meu filho e da minha mulher. Gostar pra mim também é amor.


Roda Viva - E o que você acha do Bolsa Família?
Brown - Tá bom, mas tá ruim e vice-versa. Escola e saúde é o mínimo. Mas as crianças também precisam se alimentar para aprender.


Roda Viva - E o programa CÉU?
Brown - Quando comecei a cantar, o CÉU era um paraíso pra mim. Quando a Marta Suplicy, que fez várias escolas lá na periferia perdeu a eleição eu pensei: nossa classe é muito desunida. Os ricos são muito unidos.


Roda Viva – O que você acha da pirataria?
Brown – Quem fica rico é o chinês. O cara que vende ta só lutando pela sobrevivência. Como eu não sou polícia, na posso fazer nada. Se eles tivessem uma oportunidade de emprego não estariam lá. Não tenho nenhum acordo com os piratas, mas querendo ou não eles divulgam nosso trabalho. A única coisa que ganhamos com isso é a divulgação dos Racionais.


Roda Viva – E quanto às cotas para negros?
Brown – Acho muito importante. O movimento negro está na vanguarda. O ensino deveria ser para todos e gratuito, mas não é. Quando se renega o ensino para a maioria e perpetua uma minoria no poder não pode haver esperança. A faculdade é só um detalhe. O Brasil tem uma dívida muito grande com os negros.



Música "Da Ponte Pra Cá 1000 Trutas 1000 Tretas", Racionais MC's